UMA VIDA DE DEDICAÇÃO E SERVIÇOS PRESTADOS AO MUNICÍPIO.
Atribuí-lhe o epíteto de “Poeta Valente”, por causa de suas várias histórias de
caçadas e aventuras no mato, quando vez ou outra se deparava com alguma
“assombração” ou “visagem” como ele mesmo falava.
Foi assim em 1955 quando caçava na Serra do Feiticeiro e subitamente teve que
enfrentar um tal vaqueiro misterioso que lhe perseguia pelo caminho. O
episódio, imaginário ou não, originou o cordel “ A peleja com o Diabo”, o qual
eu considero sua obra mais notável. ( Veja no vídeo abaixo)
Sempre que me encontrava com o velho poeta, perguntava sobre a sua saúde e ele
me devolvia com a seguinte assertiva; “Já estou sentindo o cheiro das flores do
cemitério”. Uma resposta desconcertante para mim, mas carregada de inspiração.
E assim era Antônio Cruz, ele não sucumbia aos desafios impostos pela vida. Na
plenitude dos seus quase cem anos e mesmo na iminência do fim dos seus dias a
verve poética emergia com naturalidade.
Nasceu em julho de 1919 em jardim de
Angicos, veio com a família para Lajes ainda menino; aos 07 anos. Cresceu,
construiu família e fez história. Era uma página viva de Lajes, espécie de
“homem-museu”.
Conviveu de perto com todas as figuras importantes do cenário político do
município, desde a sua emancipação. Entre elas a primeira prefeita da América
latina, Alzira Soriano, a qual Antônio Cruz dizia ser uma “Mulher de pulso”.
Relatos sobre Ramiro Pereira, Manoel Procópio, Antônio Cabral e tantos outros
personagens da politica lajense, estavam sempre presentes nas minhas conversas
de reminiscências com Antônio Cruz. Sabia os nomes de todos os prefeitos, datas
e fatos mais importantes da história do município, e gostava de provocar os
seus entrevistadores “pergunte! Pergunte mais !” Era o estilo dele, destemido e
afeito à desafios.
A PROFISSÃO
Antônio Cruz exerceu o oficio de marceneiro
com maestria. Trabalhou em obras importantes para a cidade como na década de 30
quando ajudou a construir da União Caixeiral de Lajes. Foi responsável pela
escolha da madeira e instalação da cobertura do prédio. A estrutura durou mais
de 60 anos até a sua primeira reforma. Uma prova cabal da qualidade do seu
trabalho como marceneiro.
Em sua oficina particular a fabricação de caixões de defunto ganhou mais
evidencia. As urnas funerárias eram conhecidas como as de melhor acabamento,
dentro e fora de Lajes. A clientela vinha de todas as partes a procura dos seus
serviços. Encomendas para prefeituras e famílias influentes eram constantes. E
assim ele criou a família.
Antônio Cruz também mantinha algumas excentricidades. Na oficina, havia um
caixão em especial que ele não negociava por dinheiro algum. Mantinha a peça
sempre muito bem guardada, longe dos olhos da clientela. Certa vez morreu uma
pessoa influente na cidade e o estoque da oficina estava vazio. A família
fizera uma proposta irrecusável para comprar o caixão guardado a sete chaves.
Sem pestanejar Antônio rechaçou de imediato; “Aquele lá eu fiz pra mim, não
vendo nem troco”. E assumiu o compromisso com o filho do morto: “ Não se
preocupe, no que depender de mim, seu pai não será enterrado sem caixão, eu
garanto”. Varou à noite trabalhando e na manhã seguinte deu a encomenda como
pronta. Mais um desafio cumprido.
O ARTISTA, MÚSICO E
POETA
Mas foi mesmo na música e na poesia de cordel que Antônio Cruz conferiu a Lajes
o seu maior legado. Nos anos 30 foi um dos primeiros integrantes da Filarmônica
Municipal, compôs as primeiras marchinhas de carnaval da cidade e que se
perpetuaram por muitos anos. Organizou blocos, serestas e charangas, tocou
violão, instrumentos de sopro e tantos outros. Era multifacetado.
No cordel, contou histórias de personagens e fatos da cidade como “A chegada da
Estrada de Ferro em Lajes” e a ontológica “Peleja com o Diabo na Serra do
Feiticeiro”. Na minha opinião, sua obra mais notável.
Hoje o “Poeta Valente” fechou os olhos, silenciou sua voz, cumpriu o destino de
todos os homens. Assim como ele mesmo profetizava, chegou ao “jardim do
desconhecido”.
Antônio Cruz, o nosso eterno menestrel, viveu com alegria e atravessou os
portais da morte sem temor. Carregava consigo a rigidez de um sertanejo e a
sublimação do poeta, e assim nos encantava dos dois modos. Descanse em paz
POETA VALENTE, obrigado pelo seu legado.
Meus sentimos à família.
Antônio Cruz, faleceu em Lajes-RN, no dia 18 de agosto de 2019
FONTE – BLOG CÍCERO LAJES
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